Consumidor com nome negativado não pode ser impedido de contratar plano de saúde
- DD Advocacia
- 23 de abr. de 2024
- 3 min de leitura
Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua Terceira Turma, decidiu no REsp n. 2.019.136/RS que a negativação do nome de uma pessoa nos cadastros de proteção de crédito não é motivo válido para um plano de saúde recuse a contratação com ele.

A controvérsia surgiu quando uma consumidora, cujo nome estava negativado nos órgãos de proteção ao crédito, teve sua solicitação de adesão a um plano de saúde negada pela operadora. A consumidora, então, acionou a justiça alegando que a recusa era abusiva. O caso chegou ao STJ por recurso da operadora do plano de saúde, após decisões favoráveis à consumidora nas instâncias ordinárias.
Decisão do STJ
A decisão foi tomada por maioria de votos. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, apresentou voto desfavorável à consumidora. A ministra entendeu que a contratação plano de saúde pode ser recusada pela operadora quando o consumidor estiver com seu nome nos cadastros de restrição de crédito, salvo se a contratação for feita mediante pronto pagamento, algo incomum nos contratos em questão. A relatora entendeu que essa prática estaria permitida pelo art. 39, IX do Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e por precedentes do STJ, como o REsp 1.594.024/SP.
No entanto, o voto da relatora foi vencido pela visão dos demais ministros da turma. O Ministro Moura Ribeiro apresentou um voto-vista que reverteu a direção do julgamento, argumentando firmemente contra a recusa da operadora. Ele destacou que a saúde é um serviço essencial e que a negativação por si só não deveria impedir o acesso a tais serviços.
O ministro foi assertivo:
“No caso em exame, o simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.
Ao submeter-se ao mercado de consumo, o fornecedor não pode se recusar, sem justa causa, a prestar os produtos e serviços oferecidos. E na situação em tela, com todo respeito, não parece justa causa o simples temor, ou presunção indigesta, de futura e incerta inadimplência do preço.”
Por fim, foi explicado que a liberdade de contratar está limitada pela função social do contrato, que é ainda mais proeminente nos casos de serviços essenciais, como os de saúde.
Nas palavras do Ministro Moura Ribeiro:
“Nessas condições, portanto, negar o direito à contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, além de incompatível com os princípios do Código de Defesa do Consumidor ( CDC).”
Os ministros consideraram que o precedente citado pela Ministra Relatora não se aplicaria ao caso, pois nele foi discutida a contratação de seguros em geral, que em regra protegem o patrimônio. Aqui, estava sendo discutida a contratação de seguro-saúde e de planos de saúde, que tutelam bem jurídico de relevância mais acentuada e podem ser considerados serviços essenciais. Assim, não seria aplicável integralmente o art. 39, IX do CDC.
Recusa do fornecedor em prestar serviço ao consumidor que se proponha a adquiri-lo mediante pronto pagamento (art. 39, IX do CDC). Prática abusiva
A norma do art. 39, inciso IX do CDC [4] proíbe o fornecedor de recusar a venda ou prestação de serviços a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento.
Assim, em regra, nos casos em que não é feito o pagamento antecipado, o fornecedor poderia recusar a prestação do serviço. Nos contratos de plano de saúde, contudo, o pagamento antecipado da totalidade do contrato não é comum. Tal pagamento ocorre mediante prestações mensais (principalmente quando envolvem o pagamento de coparticipação e franquia pelo titular).
Nesses casos, exigir do consumidor com nome negativado o pagamento antecipado como condição para contratação, seria impor uma desvantagem manifestamente excessiva, prática também vedada pelo CDC, em seu art. 39, V.
Assim, tendo em vista a essencialidade dos serviços e o fato de que os contratos de plano de saúde já possuem em sua estrutura legal a devida proteção contra inadimplemento (art. 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/1998), o art. 39, IX do CDC não seria aplicável para condicionar a sua contratação ao pagamento antecipado.
Função social do contrato
A liberdade de contratar, conforme estabelecido no artigo 421 do Código Civil [6] ( CC), deve ser exercida nos limites da função social do contrato.
Este princípio implica que os contratos não devem apenas atender aos interesses privados das partes envolvidas, mas também considerar os impactos sociais e coletivos de suas estipulações, prestigiando valores caros para a coletividade, como a dignidade da pessoa humana.
Na prática, isso significa que, ao formular, interpretar e executar contratos, deve-se levar em conta não somente os benefícios para as partes contratantes, mas também as consequências para a comunidade e para o ambiente social em geral. Este princípio é particularmente relevante em setores essenciais como saúde, educação e habitação, em que as condições contratuais podem ter ainda mais amplas repercussões na sociedade.
Assim, a função social do contrato serve como um balizador para garantir que a autonomia privada não sobreponha necessidades sociais mais amplas, sempre promovendo justiça e bem-estar social geral e individual na interação entre os contratantes internamente e entre eles e o meio social em que inseridos.
Fonte: Jusbrasil Imagem: iStock
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